O artigo discute os riscos crescentes de ataques cibernéticos a infraestruturas críticas em um mundo cada vez mais interconectado. Os autores argumentam que, devido à natureza sem fronteiras do ciberespaço, é difícil prevenir e responder eficazmente a esses ataques. Destacam a vulnerabilidade de sistemas essenciais e a necessidade de uma estratégia de segurança robusta que contemple punições severas e cooperação internacional para mitigar os riscos de ataques cibernéticos catastróficos.

Partindo-se do conceito de soberania digital ofertado por Dra. Dora Kaufman, é possível admitir que ela se refere "à capacidade dos Estados em assegurar o controle sobre o ambiente on-line (ciberespaço), ou seja, garantir que as suas regras sejam respeitadas pelos diversos intervenientes no mundo on-line; a expressão concerne ao controle dos dados, padrões e protocolos, processos, serviços e infraestrutura"1.

Entretanto, a professora da PUC/SP reconhece que o referido controle é fragilizado pelo fato de que o desenvolvimento e a implementação das tecnologias e serviços digitais no ocidente estão sob o domínio das big techs americanas"2.

Inserida neste cenário está a batalha travada entre Elon Musk, dono da "X", e o ministro Alexandre de Moraes, que nada mais é do que um desdobramento lógico do confronto entre o poder econômico, proporcionado pela hegemonia tecnológica, e o poder estatal, representado pela capacidade de impor suas próprias decisões.

No entanto, a controvérsia detém, em seu âmago, a disputa pela preservação de um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a soberania. E, embora este conceito apresente constante evolução desde suas concepções clássicas, tais como o Leviatã de Hobbes, é possível perceber que suas variações permanecem ligadas a duas ideias distintas, elencadas por Dalmo de Abreu Dallari:

"(.) apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica (destaques nossos)"3.

Sob essa perspectiva, nota-se que a evolução desenfreada dos recursos de comunicação online, contemplada na sociedade informacional, demanda regulamentação por nomas das mais diversas naturezas. E estas vão desde aquelas compreendidas como soft law até as próprias decisões expedidas pelo Poderes Judiciários dos Estados soberanos.

Em verdade, ao proferirem suas decisões, os juízes manifestam o seu poder de "criar o direito". Não é por outra razão de Fredie Didier entende que "o conteúdo da decisão judicial é a norma do caso concreto; isto é, a norma jurídica individualizada estabelecida pelo magistrado na conclusão/dispositivo do pronunciamento e que certifica o direito a uma prestação (fazer, não fazer ou dar coisa), reconhece um direito potestativo ou ainda tão somente declara algo"4.

Contudo, este mesmo doutrinador estabelece um contraponto entre as noções de conteúdo e de eficácia da decisão judicial. Na sua concepção, "o efeito (ou eficácia) da decisão é a repercussão que a determinação dessa norma jurídica individualizada pode gerar e que vincula, de regra, as partes do processo". Daí concluir ser "muito importante distinguir o conteúdo dos efeitos da decisão judicial. É a partir do conteúdo que se pode traçar um esboço dos efeitos que a decisão está apta a produzir.

Distinguindo entre as decisões de natureza declaratória, constitutiva e condenatória o autor destaca que esta última classificação, corresponde às decisões impõem prestação e, com isso, reconhecem a existência do direito a uma prestação e permitem a realização de atividade executiva no intuito de efetivar materialmente essa prestação. Nesse caso, a decisão que impõe tal prestação tem por conteúdo a certificação da existência de um direito subjetivo do autor e a "imposição ao réu do cumprimento do respectivo dever; tem por efeito viabilizar que o credor possa valer-se de medidas executivas para buscar a satisfação desse seu direito"5.

No caso das decisões que determinam o bloqueio da conta de usuário pela "X" no Brasil, a norma jurídica criada pela decisão judicial é a quela que proíbe a atuação online no ambiente dessa plataforma por aqueles que tiveram sua conta bloqueada.

Contudo, ainda com recurso ao magistério do professor Fredie Diddier, o direito, a uma prestação, "quando certificado pelo juiz, precisa ser concretizado no mundo físico, o que somente vai acontecer se o demandado cumprir a ordem que lhe é dirigida". Razão pela qual o autor conclui que, em tal hipótese, o "bem da vida buscado, quando se lança mão de uma ação de prestação, é a própria prestação, ou seja, o resultado do fazer ou do não fazer, a própria coisa ou a quantia cuja entrega ou pagamento se pretende. É por isso que se diz que o direito certificado precisa ser concretizado no mundo físico."

E é neste plano que se insere a disputa pela soberania que este texto buscou esclarecer. A despeito de posições políticas assumidas em um cenário extremamente polarizado, cumpre evidenciar que a determinação expedida pelo Supremo Tribunal Federal deve ser respeitada, ao menos que este órgão seja desprovido, via processo democrático (ex. impeachmant), da legitimação que recebeu do povo, que é a fonte da qual emana quaisquer dos poderes estatais. É o escrutínio público, então, o lugar adequado para a elaboração das normas regulamentadoras para a atuação das gigantes de tecnologia, bem como os impactos de suas atuações sobre sistema jurídico-político brasileiro6.

E não é outra a visão da mais abalizada doutrina sobre o tema. Diversos pensadores internacionais têm enriquecido profundamente o debate sobre a soberania digital. A seguir, destacamos alguns autores cujas ideias serão consideradas nesta análise.

Na fronteira do conhecimento digital, Shoshana Zuboff desbrava o território do capitalismo de vigilância, alertando-nos sobre como as corporações tecnológicas moldam a soberania dos Estados e dos cidadãos através da exploração massiva de dados. Essa análise crítica é essencial para entendermos as nuances das decisões judiciais brasileiras em relação à soberania e eleições, onde a coleta de dados se apresenta como uma questão central7.

Por seu lado, Julie E. Cohen, na sua incisiva obra "Between Truth and Power", explora as tensões entre direito, política e tecnologia. Ela argumenta que os tribunais e juízes enfrentam novos desafios frente às interferências que plataformas digitais, alinhadas com governos estrangeiros dominantes, podem exercer sobre a soberania nacional8.

Vis-à-vis, Luciano Floridi, como um filósofo da informação, aborda a ética da informação e sublinha a importância de robustas políticas de governança dos dados. Ele sugere que auditorias de segurança cibernética, como as realizadas na Europa com plataformas como o TikTok, podem servir de modelo para assegurar uma gestão responsável dos dados dos cidadãos brasileiros9.

Mutatis mutandis, Joseph S. Nye, Jr. enfoca em como a ciberguerra e a cibersegurança são fundamentais na manutenção da soberania nacional. Ele propõe que as plataformas digitais estabeleçam acordos globais para proteger os dados dos usuários de serem repassados a entidades que praticam espionagem internacional10.

Finalmente, Bruce Schneier nos lembra da importância crítica da segurança dos dados e da infraestrutura digital. Ele questiona quais infraestruturas podem ser os próximos alvos e como podemos protegê-las, evidenciando a centralidade dessa segurança para a soberania nacional na era digital11.

Essas perspectivas são indispensáveis para modelar políticas que equilibrem o poder crescente das big techs com a necessidade de manter a soberania estatal e individual, visando um futuro em que a tecnologia promova a equidade e a justiça global12.

Fonte: Migalhas

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